GCLIO

O Grupo Clio é uma associação de educadores dedicados ao ensino, pesquisa e cultura, sua fundação oficial se deu no ano de 2008, a partir dos anseios de um grupo de historiadores que buscavam construir um verdadeiro fórum de debate sobre inúmeras questões pertinentes a educação e a democracia em nosso país. Atualmente o GCLIO reúne educadores das mais diversas áreas e espaços de atuação com o propósito de ampliar os horizontes do nosso povo, construindo a unidade possível em torno da democracia e do republicanismo, e o consenso necessário da educação nas suas mais variadas vertentes. Defendemos a universalização do ensino público com a qualidade necessária para habilitar nossas crianças e jovens na vanguarda civilizacional através de dois pilares básicos a inclusão social e a participação política.

domingo, 2 de maio de 2010

Uma reflexão política e histórica do Prof Adeildo Oliveira.

21 DE ABRIL: DE TIRADENTES A BRASÍLIA

Em momentos de grandes transformações de ordem social e (ou) política os símbolos passam a exercer um papel de relevo na legitimação ou contestação da ordem estabelecida. Alguns destes símbolos surgem de forma espontânea, outros são construídos. Neste sentido, o 21 de abril exemplifica muito bem o que é a construção de um símbolo. Com a realização do golpe de 15 de novembro de 1889 pelos militares com o apoio da burguesia cafeeira de São Paulo, sedenta de poder, instala-se uma nova forma de governo que seguia velhos padrões de discriminação social e cultural.
Com isso, fica claro que o maior interessado na implantação da Res publica (coisa pública), ou seja: o povo, não participou do processo e isso, segundo José Murilo de Carvalho, não porque tenha “assistido bestializado”, mas porque sabia que a sua situação não iria mudar. Por isso mesmo, foi necessário a construção de um símbolo para legitimar o novo sistema político e esse símbolo foi Tiradentes. O 21 de abril de 1892 foi o dia da morte desse “mártir” da causa republicana no Brasil. Mas a História é extremamente dialética e iria reafirmar, posteriormente, a “mística” dos 21 de abril no Brasil, quando da inauguração de Brasília nesse mesmo dia e mês do ano de 1960.
Analisando algumas matérias da “grande” mídia brasileira, pude perceber que várias reportagens dedicavam-se a homenagear a nossa ilustre capital. Isso me inquietou, pois tais reportagens eram de uma “ingenuidade” política e histórica intrigante, pois mostravam a música dos anos oitenta na cidade; mostrava a cidade como reduto da corrupção e focavam as diversas festividades que estavam acontecendo para a comemoração dos cinquenta anos da capital. Não estou negando que a geração do Rock brasileiro dos anos oitenta tenha se destacado no cenário nacional com letras que criticavam a própria política que reinava e reina na cidade e no país; e nem que tal geração teve em Brasília um de seus núcleos maiores com Legião Urbana e Capital Inicial, por exemplo. Não nego que a capital tupiniquim é símbolo do que há de pior na política brasílica.
O que me inquietou foi a omissão em relação a uma série de aspectos históricos, culturais e sociais. Fatos estes que, claro, não devemos esperar que uma Globo viesse nos esclarecer sobre tais aspectos, mas que, por isso mesmo, faz-se necessário a explanação desses fatos através desta reflexão.
Primeiro falo sobre os “candangos”: milhares de nordestinos que laboraram para a efetivação de uma “obsessão” bem antiga que resultou em Brasília. Não vi nenhuma reportagem parabenizando ou agradecendo a participação SINE QUA NON desses guerreiros na construção da capital. Participação marcada por uma realidade que é bem conhecida pela maior parte dos nossos compatriotas, ou seja, uma realidade marcada pela exploração do trabalho com o pagamento de péssimos salários e com horríveis condições de vida.
O segundo aspecto relevante foi a omissão da longa história de Brasília. Enganam-se aqueles que acreditam que a capital tupiniquim possuí apenas metade de um século. Brasília não é apenas uma cidade, é muito mais do que isso. Brasília é a materialização de idéias, sonhos e interesses políticos e culturais. Enfim, Brasília é um símbolo. E como tal, só poderia ter emergido do plano das ideias em um determinado momento histórico.
Esclareço o porquê de ter me utilizado da palavra “obsessão” para designar Brasília. Para quem é um bom conhecedor da história nacional, saberá que a proposta de uma capital no “coração” do Brasil existe desde os tempos da colonização; foi lembrada por Bonifácio em suas Lembranças e Apontamentos enviada às Cortes portuguesas no contexto da independência; foi prevista nas Constituições de 1891, 1934 e 1946 até chegar à sua maturidade nos anos JK.
Acredito que Brasília foi efetivada por JK por causa do momento político, econômico e cultural do país. Nos processos históricos determinados acontecimentos só se materializam quando chegam à sua maturidade. No caso de Brasília tal maturidade chegou com os anos cinquenta do século XX. Naquele momento o país vivia um contexto histórico ímpar com o forte otimismo propagandeado pelo desenvolvimentismo, com o advento da TV, com a Bossa Nova, com o Cinema Novo. Tal clima colaborou para a construção da nova capital. Mas quem iria realizar o planejamento dessa nova cidade? No concurso realizado pela Novacap (Cia Urbanizadora da Nova Capital) saíram vitoriosos os adeptos dos ideais modernistas Niemeyer e Lúcio Costa.
Assim sendo, percebam que Brasília simboliza também os ideais modernistas que estão presentes no seu corpo material e abstrato de urbe planejada para vender a idéia do crescimento, da modernização e da integração nacional. Aqui vale frisar que, planejamento em sua construção é algo que também diferencia Brasília da maior parte das cidades brasileiras, pois somente ela e algumas poucas cidades como Belo Horizonte e Goiânia tiveram tal privilégio.
Portanto, reafirmo que Brasília é muito mais que uma cidade...