A purificação da guerra: Walter Benjamin e um olhar sobre o fascismo alemão.
Prof. Ms. Helder Nogueira Andrade.
Núcleo de Estudos Políticos do GCLIO.
As reflexões propostas por Walter Benjamin no ensaio Teorias do Fascismo Alemão – Sobre a coletânea Guerra e Guerreiros, editada por Ernst Jünger, em 1930, indica uma crescente aceitação que a apologia da guerra ("misticismo bélico", dirá um sarcástico Benjamin) suscitava junto a sociedade germânica, demonstrando a lucidez deste pensador que identificou neste ensaio questões extremamente pertinentes relacionadas a escalada do ideário fascista (nacionalismo, militarismo, autoritarismo etc.) na Europa.
O tipo de idealismo que animava a coletânea Guerra e Guerreiros, publicação organizada por Ernst Jünger (identificado como herói de guerra), representava um sintoma importante da difusão do ideal de algo como uma “guerra pura”, vinculada a virtudes universais, portanto incontestáveis, como o heroísmo, a valentia e o nacionalismo.
Vale salientar o uso da linguagem como um elemento fundamental na gênese/difusão desses ideais e virtudes que produzem significações no corpo social indicando determinadas atitudes como necessárias para a redenção do povo, como Benjamin escreve:
Mas a linguagem é uma pedra de toque para a conduta de cada um de nós, e não somente, como muitas vezes se supõe, para a conduta de quem escreve. A conduta dos que se juntaram nesse livro não passa esta prova. Imitando os diletantes aristocráticos do século XVII, Jünger pode dizer que a linguagem alemã é uma linguagem primordial – a maneira como essa idéia é expressa contém um acréscimo implícito, o de que, como tal, ela comporta uma invencível desconfiança com relação à civilização e ao mundo moral. Mas como pode essa desconfiança comparar-se com a dos seus compatriotas, quando a guerra lhes é apresentada como uma “poderosa revisora”, que “sente o pulso do tempo”, quando eles são proibidos de “rejeitar uma conclusão comprovada”, ou obrigados a aguçar seu olhar para que possam ver “as ruínas” atrás do “verniz incandescente”? No entanto o que é mais vexatório que todos esses insultos a inteligência, nesse edifício intelectual supostamente ciclópico, é a fácil loquacidade da forma, “ornando” cada um dos artigos, e mais penosa ainda, a mediocridade do conteúdo.[1]
Assim a linguagem é identificada como uma “linguagem primordial” indicando uma verdadeira idealização do conteúdo, ainda que medíocre, sendo direcionado para determinados objetivos, como a ornamentação da guerra enquanto algo que “pulsa no tempo”, com um “poder de revisão” do passado.
Benjamin nos exorta que os autores da coletânea, articulam o seu discurso apologético da guerra, sob uma suposta chancela da experiência de outras guerras que os mesmos haviam participado fundamentando pelo uso da linguagem algo como a verdade da guerra. Nessa suposta verdade que aparece como algo projetado na linguagem enquanto “pedra de toque” para a construção de todo um imaginário e de determinadas condutas individuais e coletivas da sociedade alemã no período, proporcionando um verdadeiro esforço de guerra permanente, necessário e imanente a própria existência social.
Essa tendência não levaria apenas a mais uma "guerra de alcance planetário" (expressão entusiástica dos guerreiros-autores do livro): ela possibilitaria também um apoio irrestrito da maioria da população – por ação ou omissão – a escalada de um regime totalitário na Alemanha.
A mitificação da guerra através do uso da linguagem torna-se objeto de problematização à luz do pensamento benjaminiano, principalmente no contexto do aparente paradoxo entre a razão esclarecida e a mitificação de uma determinada realidade ou questão específica dessa realidade no mundo contemporâneo.
As questões destacadas devem ser compreendidas de forma integrada e voltadas para o horizonte de reflexões sobre os rumos da história européia no período diante da escalada de regimes totalitários que pela exacerbação da técnica, mitificação da guerra e manipulação da linguagem promoviam o avanço “racional” da barbárie expresso na violência sofisticada associada ao racionalismo do Estado burguês.
Pois, nessa teoria mística da guerra, o Estado desempenha naturalmente um papel importante. A palavra “controle” não é concebida, é claro, num sentido pacifista. Ao contrário, exigi-se do Estado que desde já ele se adapte, em sua própria estrutura e em seu comportamento, e delas se mostre digno, àquelas forças mágicas que ele precisa mobilizar durante a guerra. De outro modo, ele não conseguiria colocar a guerra a serviço dos seus fins.[2]
Com isso o Estado aparece como uma espécie de catalisador das “forças mágicas” que precisam ser mobilizadas para um esforço de guerra que se articula ao desenvolvimento avassalador da técnica, ao uso da linguagem enquanto forma loquaz que mitifica a guerra mobilizando as pessoas para um projeto sobre-humano pautado por determinados “ideais eternos”.
O ensaio Teorias do Fascismo Alemão – Sobre a coletânea Guerra e Guerreiros, chama atenção pela atualidade de muitos elementos que foram objeto de reflexão e pela profunda lucidez de Benjamin ao perceber o avanço do fascismo na Alemanha como algo vinculado ao fluxo ideológico do seu tempo, ou seja, o fascismo não nasceu da mente de alguns loucos e sádicos pontuais, mas da própria ordem sócio-cultural da época.
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