GCLIO

O Grupo Clio é uma associação de educadores dedicados ao ensino, pesquisa e cultura, sua fundação oficial se deu no ano de 2008, a partir dos anseios de um grupo de historiadores que buscavam construir um verdadeiro fórum de debate sobre inúmeras questões pertinentes a educação e a democracia em nosso país. Atualmente o GCLIO reúne educadores das mais diversas áreas e espaços de atuação com o propósito de ampliar os horizontes do nosso povo, construindo a unidade possível em torno da democracia e do republicanismo, e o consenso necessário da educação nas suas mais variadas vertentes. Defendemos a universalização do ensino público com a qualidade necessária para habilitar nossas crianças e jovens na vanguarda civilizacional através de dois pilares básicos a inclusão social e a participação política.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

AMIGOS DE PAPEL: UM COMUNISTA. POR JOEL RUFINO.

23/08/2010

Eu assistia a um jogo da Copa do Mundo quando soube por telefone da morte de José Saramago.

O grande escritor dizia que “comunista é um estado de espírito”. Questionado por um entrevistador, disse também: “Sou aquilo que se pode chamar de comunista hormonal. O que isso quer dizer? Assim como tenho no corpo um hormônio que me faz crescer a barba, há outro que me obriga a ser comunista”.

Em poucas palavras se livrava das idealizações, erros e equívocos dos sistemas e partidos comunistas, preservando o que a definição tem de ética. Comunista é algo em que se está, talvez de nascença, uma feminilidade de espírito anterior à formação de ideias e opiniões sobre o mundo. Um policial experiente, nos anos 60, me revelou que reconhecia comunistas pela maneira insegura, ou frágil, de se dirigirem a empregados, garçons e choferes. Se visse uma mulher trocando pneu, também não tinha dúvida e, nesse caso, sua intuição de sherloque funcionava ao contrário: um corpo feminino fazendo trabalho de macho indica personalidade comunista.

Ser de esquerda é uma coisa, comunista outra.

Em ideas y creencias, Ortega y Gasset lembra que ao sair de casa, a cada manhã, não
precisamos fazer ideia da rua: cremos, de uma maneira insofismável, que ela estará lá, com seu asfalto, seus sinais, lojas, pontos de ônibus etc. A rua não é uma ideia, mas uma crença. Por analogia, esquerda é uma ideia, tanto que podemos estar mais à esquerda, ser de centroesquerda etc. A própria palavra tem uma origem histórica precisa, a assembleia francesa de 1789, em que os deputados que queriam sustar as medidas revolucionárias se sentavam à direita da presidência, os que queriam continuálas à esquerda, os indecisos ao centro.

Madalena, a protagonista de São Bernardo, de Graciliano Ramos, não era de esquerda, mas era comunista. Não que tivesse qualquer ligação com o Partido Comunista do Brasil, fundado há menos de dez anos. Seu comunismo estava em duas ou três atitudes: cumprimentava os lavradores, montou escola para seus filhos, lia romances, escrevia cartas. A insegurança do marido, Paulo Honório, para quem pessoas eram objetos, o convenceu de que a mulher era comunista. Comunista – eis de volta a definição de Saramago – é um estado de espírito caracterizado pela autonomia. Essa autonomia permite a alguém se dizer comunista mesmo depois de naufragarem os seus dispositivos
históricos.

Poderia um comunista não ter espírito autônomo? Certamente. Hobsbawm garante que
nos anos 70, às vésperas da Glasnost, dificilmente se encontraria um comunista na União Soviética. A designação cobria então burocratas, aproveitadores do Estado autoritário, intelectuais acríticos, multidões despolitizadas.

Comunista, na acepção de Saramago, se aproxima melhor de marxista. O essencial do
marxismo sobrevive no comunista: a análise, até hoje insuperável, da mercadoria e a filosofia da práxis, isto é, a ideia de que o homem faz-se a si mesmo. No entanto, alguém pode estar comunista sem ser marxista, já que o marxismo é uma teoria que, como qualquer outra, exige estudo e abstração.

Os comunistas lutam incansavelmente por um homem novo contra todos os sistemas sociais, inclusive os socialistas. São, por isso, otimistas e pessimistas ao mesmo tempo. Como o escritor que morreu.

Joel Rufino é historiador e escritor. http://carosamigos.terra.com.br/

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