GCLIO

O Grupo Clio é uma associação de educadores dedicados ao ensino, pesquisa e cultura, sua fundação oficial se deu no ano de 2008, a partir dos anseios de um grupo de historiadores que buscavam construir um verdadeiro fórum de debate sobre inúmeras questões pertinentes a educação e a democracia em nosso país. Atualmente o GCLIO reúne educadores das mais diversas áreas e espaços de atuação com o propósito de ampliar os horizontes do nosso povo, construindo a unidade possível em torno da democracia e do republicanismo, e o consenso necessário da educação nas suas mais variadas vertentes. Defendemos a universalização do ensino público com a qualidade necessária para habilitar nossas crianças e jovens na vanguarda civilizacional através de dois pilares básicos a inclusão social e a participação política.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Dilma e o Terrotismo. Contribuição do Prof. Ms. Airton de Farias.

Fábio Campos, colunista de O Povo, entrou na cantilena dos jornaizões do sudeste contra Dilma, ressaltando o passado “terrorista” da candidata de Lula. É um jogo perigoso, pois Fábio faz analises históricas totalmente descontextualizadas. Jornalista não é Historiador. Trabalhar com história requer conhecimentos sobre teorias e metodologias da área, coisas que certamente não se ensina na faculdade de jornalismo. E nem se aprende lendo a Veja. Um dos erros maiores dos historiadores é o anacronismo, ou seja, levar valores de uma época para outra. Esse é o erro recorrente de Fábio e do resto da imprensa brasileira quando fala do passado.
Fabio Campo ressalta na coluna de O Povo o discurso de que Dilma era uma “terrorista, antidemocrática e que pretendia implantar uma ditadura comunista no Brasil”. Caro Fábio, nos anos 1960 e 70, ninguém estava muito preocupado com democracia, nem as esquerdas, nem as direitas, e nem a sociedade, em virtude da radicalização do jogo político e da Guerra Fria (tanto que os Estados Unidos e a União Soviética apoiaram regimes os mais nefastos). O que movia o sonho das pessoas naquele contexto era o da revolução e de como resolver os graves problemas sociais do mundo – uma prova é que no Brasil os militares chamaram o Golpe de 64 de “revolução”. Na conjuntura política dos anos 60 (marcada pela lutas antiimperialistas na África e Ásia, a exemplo da Guerra do Vietnã e da Independência da Argélia, processos violentíssimos, e pelo impacto da Revolução Cubana de 1959), a luta armada fazia parte das opções políticas existentes. Exemplo disso é Nélson Mandela, que defendia a luta armada e realizou até treinamento militar de guerrilha, episódio que a mídia hoje curiosamente esquece, pois interessa ressaltar o líder negro pacifista. Ora, Mandela mudou de posição. Muitas das pessoas (de esquerda), que pegaram em armas mudaram de posição, sobretudo no final dos anos 1970, quando em nova conjuntura, passou-se a valorizar a democracia como conhecemos hoje.

História é conjuntura. Fazer análises das pessoas sem levar em conta o contexto em que elas viveram é desonestidade intelectual ou tremenda falta de conhecimentos. As pessoas que chamam Dilma de “terroristas” esquecem, por exemplo, que boa parte do empresariado brasileiro, e cearense, contribuíram com a Operação Bandeirante, que formou um grupo paramilitar o qual surrava, prendia e eliminava os opositores, fossem guerrilheiros ou não. È esquecer que a imprensa apoiava, justificava e se auto-censurava pelo que estava acontecendo no Brasil. Foi o caso do jornal O Povo, que apresentava grandes relações com o ex-coronel e governador Cearense Virgilio Távora e com a Ditadura Militar, como se pode ver no anexo, um editorial do jornal de 11 de novembro de 1970 e uma propaganda de 4 de novembro do mesmo ano, em que se pede votos para a Arena, partido de sustentação do regime (atual Dem e que apóia o candidato José Serra). O Povo e Dilma defendiam regimes autoritários, caro Fábio – e agora, você vai condenar a empresa em que trabalha e seus patrões pelo passado “autoritário”?

Há ainda, caro Fábio, uma separação entre guerrilha, terrorismo e terror, termos que o senhor e o resto da imprensa confundem ou usam de forma inapropriada. Ao mencionar guerrilha, referimo-nos à forma de luta armada revolucionária cujo objetivo é a conquista do poder, destruindo as instituições existentes e emancipando socialmente as populações – como desejavam os grupos armados brasileiros dos anos 1960 e 1970 –, e não a uma simples tática militar. Conforme Noberto Bobbio, essa nova acepção de guerrilha vincula-se diretamente à experiência vitoriosa da revolução Cubana de 1959. A expressão não deve ser usada da maneira pela qual faziam a Ditadura Militar, a imprensa e seus aliados, como sinônimo de terrorismo, entendendo-se por este, conforme ainda aquele pensador, a prática política que recorre sistematicamente à violência contras as pessoas ou às coisas provocando o terror, isso de forma indiscriminada, ou seja, atingindo não somente o inimigo de classe, mas quaisquer pessoas próximas. O terrorismo, assim, não pode ser considerado uma forma de luta de classe, embora os grupos guerrilheiros eventualmente também recorram a ações terroristas contra pessoas ou grupos diretamente ligados à classe que se mantém no poder – não com freqüência, pois poderiam provocar vítimas inocentes e uma reação contrária da população, daí sua condenação por líderes como Lênin e Ernesto Che Guevara. Por fim, ainda seguindo o pensamento de Bobbio, compete distinguir terrorismo de terror, compreendido no sentido do instrumento de força e violência usado por parte de quem já detém o poder dentro do Estado para combater seus questionadores – é novamente o caso da Ditadura Militar brasileira, que sistematicamente recorria ao terror para reprimir as oposições de esquerdas, fossem armadas ou não. BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo, 2000. p. 152, 577, 578, 1242 e 1243.

O fato de a esquerda desejar o socialismo e ter pegue em armas não diminui seu papel na resistência à Ditadura e sua contribuição para a democratização do Brasil – durante a II Guerra Mundial, por exemplo, vários comunistas, a exemplo dos italianos, que defendiam o sistema soviético, foram fundamentais na luta armadas contra o regime fascista de Mussolini. A questão de o projeto político das esquerdas ter fracassado ou não ter condições de materializar-se de forma nenhuma inviabiliza ou desmerece quem ousou lutar contra o que estava acontecendo no País.

E mais, caro Fábio, esse jogo dos serristas e Ciristas de lembrarem do passado “terrorista” de Dilma pode ser um tiro no pé. Explico. Um dos poucos atos de fato terrorista, atingindo civis inocentes, praticados pela esquerda brasileira foi realizada pela Ação Popular, grupo no qual militava José Serra!! Foi o desastroso atentado à bomba contra o então candidato a presidência Costa e Silva, no aeroporto Guararapes de Recife, a 25 de julho de 1966, no qual morreram duas pessoas e saíram feridas outras 14. Não vejo a imprensa em nenhum momento responsabilizando Serra ou o chamando de “terrorista” por esse episódio...

Quanto a Ciro Gomes, não há muitas polêmicas. Ciro pertence a uma oligarquia que governa Sobral há décadas. Ciro apoiava a Ditadura e tem uma vida caracterizada pelo oportunismo e incoerência. Foi cesista, depois apoiou Virgilio, depois Tasso, depois foi tucano, depois freirista, depois lulista e agora socialista!!! Que político! É cômico ver como Ciro é tratado no Ceará – poucos têm coragem de apontar o absurdo que é a trajetória política desse sujeito!

É muito fácil ficar falando sozinho numa coluna de um jornal, caro Fábio. Democracia pressupõe debate. Abra o debate e vamos discutir democraticamente.

Airton de Farias
Fortaleza- Ce
Professor e Historiador (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará), autor de HISTÓRIA DO CEARÁ, DA PRÉ-HISTÓRIA AO GOVERNO CID GOMES e ALEM DAS ARMAS, GUERRILHEIROS DE ESQUERDA NO CEARÁ DURANTE A DITADURA MILITAR (1968-72)

Um comentário:

  1. Prof. Airton de Farias,
    Gostaria de parabenizá-lo, após ler este texto, percebi ter presenciado não só o exercício da cidadania, que poderia assim ser entendido, mas o exercício da vigília e da intervenção necessária, constituintes da identidade do historiador.
    Inácio Sales – História-UVA / Paraipaba
    Marazul03salles@yahoo.com.br

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